João Cabral de Melo Neto, poeta e diplomata brasileiro, nasceu em Recife, Pernambuco, no dia 09 de janeiro de 1920. Primo do também poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre, João Cabral de Melo Neto publicou diversos títulos, entre eles Pedra de Sono (1942), O Cão sem Plumas (1950) e Morte e Vida Severina (1955).

Agraciado por vários prêmios, entre eles o Prêmio Neustadt e o Prêmio Camões, o poeta pernambucano foi membro da Academia Pernambucana de Letras e da Academia Brasileira de Letras (ABL). 

Para comemorar o mês de aniversário de João Cabral de Melo Neto, separamos trechos de três poemas que fazem parte do livro João Cabral de Melo Neto: Obra Completa, publicado pela editora Nova Aguilar em 1999.

Boa leitura!

 

Tecendo a Manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

 

Difícil ser Funcionário

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar…
Fazer seu nojo meu…

O Cão Sem Plumas

A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.

O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.

Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.

Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.

Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos povos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.

Aquele rio
jamais se abre aos peixes,
ao brilho,
à inquietação de faca
que há nos peixes.
Jamais se abre em peixes.

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Posse de João Cabral de Melo Neto na ABL, em maio de 1969. O autor de Morte e Vida Severina nos deixou em outubro de 1999.

REFERÊNCIA

O GLOBO. Disponível em: https://bityli.com/cZXU6. Acesso em: 28 jun. 2020. 

DE NICOLA, J. Painel de literatura em língua portuguesa: teoria e estilos de época do Brasil e Portugal. São Paulo: Scipione, 2006.

Quer saber mais sobre os principais autores da literatura brasileira? Acompanhe nossos especiais aqui no blog! 

2 comentários em “JOÃO CABRAL DE MELO NETO: A POESIA DO CONCRETO

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